1. Introdução
Quais são os atos que devem ser praticados à vista de uma sentença de adoção de criança, adolescente ou adulto?
É em torno dessa indagação que gira o presente artigo.
Para uma noção conceitual e histórica da adoção, recomendamos leitura de outro artigo nosso publicado na Coluna Civil em Pauta1.
2. Formalização da adoção: Sentença e atos no Registro Civil das Pessoas Naturais
A adoção rompe o vínculo jurídico com a família anterior e faz nascer um vínculo com a família adotiva. Os aspectos registrais buscam retratar isso.
Há dois desdobramentos formais do fato de a adoção acarreta a ruptura com a família anterior.
De um lado, à vista da gravidade do ato, o legislador é rigoroso formalmente, exigindo um procedimento judicial próprio com uma sentença de adoção (art. 47, ECA2).
De outro lado, do ponto de vista registral, o mandado judicial deverá ser endereçado ao Cartório de RCPN – Registro Civil das Pessoas Naturais competente, o que geralmente é feito pelo próprio juízo por ofício. Nesse caso, o registrador deverá praticar estes atos (art. 47, §§ 1º a 3º, ECA):
a) O primeiro ato é o cancelamento do registro de nascimento anterior, o que se dá por meio de um ato de averbação (com uma redação como esta: Av. 1. Cancela-se o presente assento por força do mandado judicial procedente do juízo da Vara X do Tribunal X no bojo do processo X, mandado esse que fica arquivado nesta serventia). O RCPN competente obviamente é o do assento de nascimento.
b) O segundo ato é a prática de um novo ato de registro de nascimento, com os novos pais adotivos. A prática registral demonstra que os cartórios costumam praticar um ato de anotação nesse novo assento vinculando-o à ordem judicial (com um texto como este: An. 1. O presente assento foi aberto por força do mandado judicial procedente do juízo da Vara X do Tribunal X no bojo do processo X, mandado esse que fica arquivado nesta serventia). O RCPN competente pode ser:
b.1) o mesmo do primeiro ato ou;
b.2) o RCPN de residência do adotante, desde que este tenha requerido ao juízo, que, em regra, tem de deferir o pedido (art. 47, § 3º, ECA).
c) Após a prática desses dois atos, o Cartório costuma enviar um ofício respondendo ao juiz (ofício-resposta), informando os atos praticados, com a sua identificação. Esse ofício fica arquivado juntamente com o mandado judicial. No assento de nascimento anterior, alguns cartórios, a lápis, de modo extraoficial, para uso apenas interno, inserem a remissão ao novo ato de registro praticado para facilitar a remissão. Outros cartórios limitam-se a consultar o ofício-resposta enviado ao juiz para identificar o novo registro. Trata-se de técnicas de organização registral válidas. Entendemos, ainda, que não haveria obstáculo algum a que, nos assentos, fossem inseridas remissões recíprocas, a fim de facilitar a consulta sem a necessidade de consulta ao ofício-resposta ao juiz. Afinal de contas, o oficial, quando for expedir certidões, já não poderá consignar nela nenhuma informação que indique a origem da filiação. Para o legislador, o que importa é que o sigilo da origem da filiação seja respeitado. Salvo nos casos legais, essa informação tem de ficar “dentro do Cartório”; não pode sair às ruas, sob pena de expor a pessoa a discriminações (art. 47, § 4º, ECA).
Como se vê, não haverá um registro (ou assento) de adoção tampouco haverá uma mera averbação da adoção no assento originário3, até porque isso geraria constrangimento ao filho adotivo e contraria a diretriz do ordenamento em evitar a publicização da origem da filiação. A ideia é que, do ponto de vista registral, surja um novo assento de nascimento.
O mandado judicial deverá ser arquivado no Cartório a fim de permitir, sempre, eventual consulta. Mas, diante da natureza sigilosa da adoção, o Cartório não pode expedir certidão desse mandado aos interessados, salvo nos casos legais (art. 47, caput e § 4º, e art. 48, ECA).
Há alguns detalhes registrais não mencionados textualmente no ECA a merecerem reflexão.
É que o novo assento de nascimento terá de manter os dados relativos à data e ao local de nascimento bem como a indicação do número da DNV – Declaração de Nascido Vivo originária (art. 57, itens 1º e 10º, LRP4). Também, entendemos que se deve manter a naturalidade, mesmo no caso de naturalidade escolhida na forma do art. 54, § 4º, da LRP, bem como eventuais testemunhas do parto ocorrido sem assistência médica (art. 54, itens 9º e 11, LRP). A exceção corre à conta de haver determinação judicial em contrário.
O sexo também mantido por não ter sofrido qualquer alteração (art. 54, item 2º, LRP).
Os dados, porém, relativos aos pais e familiares originários não poderão constar (art. 57, itens 7º e 8º, LRP). O assento veiculará o nome dos pais e da família adotivos. Também constará – se for o caso – do assento o novo nome do filho adotivo, sem reprodução do seu anterior nome (art. 57, item 4º, LRP; art. 47, § 6º, ECA).
Com isso, em nome da necessidade de evitar constrangimentos ao filho adotivo, o assento terá, na prática, uma informação levemente maquiada (quase uma “mentirinha”), insinuando que o vínculo de filiação existe desde o nascimento e que a mãe adotiva deu à luz o filho. Não se trata exatamente de uma mentira, até porque o próprio assento terá uma anotação indicativa da origem da filiação. É a certidão de nascimento que ficará com uma “mentirinha” por força de lei, pois não terá qualquer remissão à origem da filiação.
Há outros dados cujo transporte para o novo assento são indevidos, como os relativos a eventual irmão gêmeo ou irmãos de mesmo prenome, porque o vínculo de parentesco com esses irmãos anteriores é rompido com a adoção (art. 57, itens 3º e 6º, LRP).
Fonte: Migalhas